Quando o cantor e compositor Gerônimo começou seus ensaios
no largo de Santana (Dinha), a música festiva da Bahia começava a sofrer
transformações preocupantes. O processo de elitização e segregação que hoje
traz prejuízo ao carnaval baiano, marcou também parte da produção musical feita
no Estado. Nessa conjuntura já não importava a música em si, mas a aparência, a
grife vestida pelo “artista”, a neutralização do sotaque para ser aceito no
eixo sul/sudeste, uma música mais pop e menos “exótica” (assim diziam alguns) e
o quanto poderia vender naquele momento, mesmo que no verão posterior
esquecessem seu rosto e sua música. Ali estava coroada a mão pesada do grande
empresariado nos interesses da música feita por estas terras. Os músicos já não
tinham tanta liberdade para fazer seu trabalho sem que isso passasse pelos
filtros da visão acanhada do mercado.
Isto gerou uma música feita para apenas um segmento da
sociedade, uma classe média da cidade, que em porcentagem corresponde a no
máximo 15%. Quase não havia mais grandes shows na praça, no farol, ou qualquer
espaço público. As bandas do chamado movimento axé restringiram-se à apenas espaços privados
e as antigas bandas e artistas acompanharam o processo. O resultado foi uma
música sem identidade com o grande público e com a cultura da cidade. O Axé se
distanciou do povo, com raras exceções, a música produzida nesse tempo não
reproduzia a identidade musical da nossa terra. O gênero pagode tomou conta dos
bairros populares e virou a válvula de escape para muitos músicos que em consequência
das mudanças impostas, já não conseguiam se inserir no mercado por via dos
outros gêneros tocados nas festas de rua da cidade. Esta sim, embora com discutível
qualidade, representa ao seu modo uma parte expressiva da cidade, assim como
representa o samba-reggae dos blocos afro largados para escanteio pelas rádios
e grande mídia. Gerônimo começou seu projeto nesta conjuntura. Sua música seguiu em meio a essa tempestade. O Rio Vermelho nos dias de terça já não era o mesmo. Praça lotada e a música era pra todxs; ricos, pobres, negros, brancos, comunistas, capitalistas. A música oriunda dos ritmos caribenhos unida à musicalidade vindas das religiões de matriz africana, misturado com o cheiro dos quitutes da baiana famosa e ao cheiro do mar da pequena enseada ao lado, era a Salvador que faltava na música produzida pelo mercado.
O projeto mudou-se para as escadarias da Igreja do Paço (o nome seria por causa de Paço de Souza?)
situado no Centro Histórico da cidade. A “fórmula”, a mesma. Uma música sem as
amarras do mercado, vinda dos jeitos de ser do povo da Bahia, tocada
gratuitamente proporcionando encontros de grandes músicos no palco, mas também
das diferentes classes sociais que lotam todas as terças-feiras a escadaria da
famosa igreja que serviu de cenário para o filme O Pagador de Promessas. Uma
música includente, que não separa, une.
Por estes motivos, Gerônimo tem uma importância muito grande
para a cultura de nossa terra. Importância pouco dada pelos governos municipal
e estadual. Há 10 anos, sem nenhum apoio, o artista produz um dos maiores
eventos gratuitos na cidade. Os poderes públicos com isso apenas reproduzem uma
lógica míope da mídia e do mercado, tapando os olhos para uma Bahia que se
perde em meio à força hegemônica geradora de um vazio identitário de desmedidas
conseqüências. Que a força dos afoxés, blocos afro, sambas-de-roda, músicas e artistas populares possam mudar os rumos da música. Numa terra onde tudo brota, do arrocha ao jazz, do blue ao pagode, não oportunizar quem eterniza nossas formas de ser, é ruim da cabeça ou doente do pé.
Viva os 10 anos de Gerônimo!
Fernando Monteiro
Link para matéria do jornal Atarde
3 comentários:
Gerônimo é tudo de bom!!
e esse trabalho da escadaria é muito lindo!!
um trabalho que nesses longos anos o mesmo vem bancando sozinho,sem contar de nenhuma ajuda do poder publico,
mas deveria ajudar e muito!!!
vamos lá galera,vamos nos 10 anos de escadaria com Gerônimo e seus convidados!!!!
ass, Zé Honório
Boa sorte Gerônimo!
que venham mais 10 anos
SALVADOR DEVERIA TER UNS 10 FERNANDOS P/ MELHORAR,FALAR E GRITAR BEM ALTO QUE TÁ TUDO ERRADO!!!!
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